"TITE PENSOU NUM ESQUEMA COM JOGADORES PERFEITOS PARA CADA FUNÇÃO" RICARDO LA VOLPE, TÉCNICO ARGENTINO CONSIDERADO “REVOLUCIONÁRIO”.
Ricardo La Volpe, revolucionário treinador argentino. Ele dirigiu o México na Copa de 2006 (Foto: Getty Images) Em entrevista a ÉPOCA, o revolucionário técnico argentino colocou o Brasil, junto de Alemanha e Espanha, como favorito para ganhar a Copa do Mundo de 2018 na Rússia.
O México não fez exatamente uma campanha brilhante na fase de grupos da Copa do Mundo de 2006, mas chegou às oitavas de final com o desafio de enfrentar a Argentina, tida como favorita até então. Quem esperava um massacre viu a seleção mexicana dominar a partida do início ao fim. O zagueiro Rafael Marquez abriu o placar aos seis minutos do primeiro tempo, e o atacante Crespo empatou logo em seguida. O jogo só se desenrolou na prorrogação, quando Maxi Rodriguez empurrou a bola para dentro e determinou a classificação da Argentina. A Copa acabava ali para o México.
Embora tenha sido eliminado antes mesmo de chegar a uma etapa mais avançada, aquele time é lembrado pelo bom futebol e pelas ideias consideradas revolucionárias. Uma delas é o recuo de um volante entre os zagueiros, com o intuito de fazer a saída de bola ser mais fluida. O idealizador daquele time foi o argentino Ricardo La Volpe. Conhecido pelo trabalho frente a equipes argentinas e mexicanas, La Volpe é considerado um grande teórico do futebol. Em entrevistas recentes, defendeu a exclusão de um jogador de linha, com o argumento de que isso tornaria o jogo mais atrativo e aberto. La Volpe falou de suas ideias em entrevista exclusiva a ÉPOCA. Explicou como nasceu a ideia de recuar um volante entre os zagueiros, estratégia que foi batizada com seu nome: saída lavolpiana. Fez críticas aos trabalhos de Juan Carlos Osorio e Jorge Sampaoli, atuais técnicos respectivamente do México e da Argentina. “Sampaoli teve pouco tempo para trabalhar, mas acredito que não se deve pensar num sistema de jogo antes de pensar nos jogadores”. O técnico também ponderou sobre suas lembranças do Brasil e elogiou o trabalho de Tite na seleção brasileira.
Ricardo La Volpe. O técnico argentino criou a saída de bola sustentada por dois zagueiros e um volante (Foto: Getty Images)
Ricardo La Volpe. O técnico argentino criou a saída de bola sustentada por dois zagueiros e um volante (Foto: Getty Images)
ÉPOCA – Você é conhecido pela expressão séria, sempre com o rosto fechado e bravo com jogadores. Essa característica lhe rendeu o apelido de “louco” ao longo dos anos. Você se considera um técnico fora do comum?
La Volpe – Sou um técnico que trabalha muito no campo e exige muita disciplina dos jogadores. Para isso, é preciso ter uma expressão mais séria. Os jornalistas no campo também me obrigam a ser mais sério, mas os jogadores sabem que esse é o momento do trabalho. Depois do treino, sempre converso e participo das resenhas. Considero-me um técnico normal.
ÉPOCA – O que vem em sua mente quando você pensa no futebol brasileiro?
La Volpe – O futebol brasileiro me dá prazer pela técnica dos jogadores e pela forma com a qual se joga. Com confiança e irreverência, sem medo. O Santos de Pelé jogava assim. O Palmeiras de Luiz Felipe Scolari também, com muita garra. São as duas equipes que mais lembro quando penso em Brasil.
ÉPOCA – Você é argentino. Assim como no Brasil, a Argentina vive um dualismo entre os estilos de Menotti e Bilardo. Qual você prefere?
La Volpe – Simples: Menotti.
ÉPOCA – Você era um jogador nos anos 1970 e um técnico na década de 2010. Passaram-se 40 anos. Na sua opinião, quais foram as evoluções táticas durante esse período?
La Volpe – A maior mudança no futebol se deve ao aspecto físico. O jogo ficou mais dinâmico e veloz. Se olharmos para os sistemas de jogo, são praticamente os mesmos desde a década de 1980: 4-3-3, 4-4-2, 4-2-3-1, com pequenas mudanças e alterações de acordo com características e áreas de atuação de cada jogador. Foi na década de 1980 que surgiu também o sistema com três zagueiros, que hoje se torna um 5-3-2 ou um 5-2-3, de acordo com ocasiões. São todos bons sistemas e todos podem dar certo, se bem trabalhados.
ÉPOCA – Em todos os clubes, você tenta implantar um estilo de posse de bola. Uma crítica constante a esse estilo é de que é preciso contratar jogadores caros e com muita qualidade para o estilo se tornar efetivo. Você acredita nisso?
La Volpe – Em primeiro lugar, todo jogador tem técnica. Todo jogador tem uma qualidade escondida, que ainda não foi explorada. O que é preciso dar para esse jogador é o entendimento dos movimentos corretos para ele conseguir jogar. E também ter uma estratégia clara para facilitar o estilo de ter a posse de bola. Penso que o passe, o chute, as ações dentro do jogo não são separadas. A qualidade do jogador não está desassociada do coletivo. Por isso uma estratégia para ter uma boa saída de bola facilita muito o jogo para quem está em campo.
ÉPOCA – Uma de suas teorias mais famosas ganhou seu nome: a saída lavolpiana. Guardiola chegou a dizer que foi influenciado por essa estratégia, muito usada no México na Copa de 2006. Como surgiu essa idéia?
La Volpe – Minha ideia era tornar o jogo dos zagueiros mais seguro. A maioria dos times começa a marcação com dois atacantes. Dessa forma, o zagueiro precisa driblar um atacante, e normalmente eles são mais lentos e podem perder a bola com mais facilidade. Se o volante recua e encosta no zagueiro, ele tem com quem jogar. Fica uma situação de dois contra um, algo que dá mais confiança aos jogadores.
ÉPOCA – A teoria do “jogo de posição” nasceu no Barcelona e prega um bom posicionamento dos jogadores no ataque. Como você enxerga esse conceito?
O México em 2006 tinha algumas características do chamado “jogo de posição”?
La Volpe – Para mim, o jogo de posição é, como o nome diz, uma ideia que busca sempre estar bem posicionado. O principal fundamento é ter o controle da partida. Estar sempre nos lugares certos para receber a bola perto do gol. Outro fundamento é a posse de bola. Manter a bola com seu time não dá apenas a condição de atacar muito. Você se defende com a posse de bola porque tira ela do seu adversário.
ÉPOCA – A equipe argentina vem passando por várias mudanças técnicas nos últimos anos. Sampaoli sempre foi um nome de renome, mas teve pouco tempo e foi criticado por suas escolhas. Como você avalia o trabalho de Sampaoli aqui?
La Volpe – Sampaoli teve pouco tempo para trabalhar, mas acredito que não se deve pensar num sistema de jogo antes de pensar nos jogadores. A Argentina tem grandes jogadores em clubes de ponta, mas a seleção joga de uma forma complicada e diferente do que eles fazem em seus clubes. É uma questão de não complicar muito. Se não há tempo, basta fazer o simples. Como muitos argentinos estão em times que jogam no sistema 4-2-3-1 ou 4-4-2, Sampaoli deveria copiar esse sistema e pensar em Messi, que sempre jogou como um meia-atacante.
ÉPOCA – Juan Carlos Osorio é o técnico do México na Copa do Mundo, mas o senhor criticou seu trabalho pelas diversas mudanças na escalação do time. Qual sua opinião sobre o trabalho do técnico até aqui?
La Volpe – Acredito que Osorio faz um bom trabalho, mas muitas vezes escala jogadores em funções que não jogam. Isso demanda um trabalho de longo prazo, um tempo que a seleção não tem. Mesmo assim, acredito que o México fará uma boa campanha, mesmo num grupo difícil.
ÉPOCA – O Brasil é apontado como favorito para a Copa do Mundo. Qual sua opinião sobre o trabalho de Tite no comando da seleção brasileira?
La Volpe – Tite mudou a mentalidade dos jogadores, e isso foi o mais importante. A seleção brasileira ficou mais competitiva. Sabíamos que o Brasil tem jogadores técnicos e de grande qualidade, mas faltava essa mentalidade. Outro grande mérito de Tite foi ter pensado num sistema com jogadores perfeitos para cada função. O Brasil joga num 4-1-4-1 onde todos sabem o que fazer. Outro bom motivo para acreditar no Brasil é o equilíbrio defensivo. Sofrer poucos gols é fundamental para uma campanha vencedora na Copa do Mundo.
ÉPOCA – Quais são seus favoritos para a Copa do Mundo?
La Volpe – Acredito que três equipes estão um passo acima: Espanha, Alemanha e Brasil. E acredito que o futebol brasileiro é o favorito para esta Copa do Mundo.